Por Flávio G. Souza
Nossa conduta como discípulos de Jesus Cristo deve ser guiada pelas
Sagradas Escrituras, e um ponto que muitas das vezes nós erramos sem perceber, está
em não perdoar quem nos ofende.
Interessante que na passagem de Mateus 18.21-22, Pedro questiona a Jesus
quantas vezes ele deveria perdoar. É perguntado se é até sete, sendo que os rabinos
ordenavam até três vezes. O fato dele ter usado o número da perfeição (7),
denota uma expressão filosófica e matemática que tende ao infinito, e muito
provavelmente ele queria ser elogiado por Jesus. Além de responder como Pedro
não esperava, ele nos dá um ensinamento essencial para vivermos em paz conosco
e com Deus. Perdoar setenta vezes sete, trata-se de uma forma vívida e
hiperbólica de dizer que jamais devemos guardar mágoa ou rancor, e após
responder a Pedro, ele explica como deve ser o perdão em uma parábola.
O fato de Jesus começar a parábola dizendo: "O reino do céu é
semelhante..." significa que o assunto estava sendo explicado por
toda analogia que vinha a seguir, não só pela palavra seguinte. Assim, o reino
aqui é comparado não só a pessoa, mas à situação completa que Jesus descreve a
seguir (Mt 18.23-35).
A parábola envolve um rei que decidiu acertar as contas com os servos
que lhe deviam, e conforme faziam as contas, encontraram um homem que devia dez
mil talentos, cerca de sessenta milhões de moedas. Para um trabalhador comum
conseguir juntar um talento naquela época, era necessário trabalhar durante mil
semanas. O salário de um trabalhador era de um denário por dia, muitos deles
tinham dificuldades para pagar os impostos, especialmente em tempos de seca,
mas esse problema não diminuía a responsabilidade do coletor de impostos de
repassar a soma exigida ao rei.
Como então ele adquiriu toda essa dívida recendo um denário por dia? A
parábola não responde, mas isso é o de menos importância no texto, porém quando
o servo se apresenta diante do rei, ele não tem dinheiro para pagar. A venda
dos devedores era algo comum na época, e mencionada nas Sagradas Escrituras
(Cf. Êx 22.3; Lv 25.39,47; 2 Rs 4.1; Nm 5.5: Is 50,1; Am 2.6; 8.6). O
servo ao descobrir que sua família iria ser vendida para quitar a dívida,
implora que o rei tenha mais paciência com ele, dizendo que tudo iria ser pago,
ao dizer isso estava fazendo uma promessa que seria impossível de ser
cumprida. Pois, o salário dele era de um denário por dia, e para que
conseguisse juntar só um talento, era necessário trabalhar durante mil semanas, que é o equivalente a 19.165 mil anos de trabalho ininterruptos. Para quitar a
dívida era necessário trabalhar durante 191.649,56 mil anos.
No contexto cultural da época, um rei no Antigo Oriente quando
encontrava um servo com uma dívida alta, a possibilidade de haver um perdão era
quase impossível. Em algumas situações, os reis tinham de perdoar quando a
colheita era ruim, impossibilitando o pagamento, mas neste caso, as somas eram
comparativamente pequenas.
Falta de reconhecimento e suas
consequências
Após este servo implorar que o rei tivesse paciência, para conseguir
receber um perdão de uma dívida impagável, ele encontra uma pessoa que lhe
devia apenas cem denários, ou seja, três meses e dez dias de trabalho.
Diferente de uma dívida de dez mil talentos, seu colega faz uma promessa que
seria cumprida, e o mesmo implora para que ele tenha paciência que tudo seria
pago, mas sem reconhecer o perdão que recebera do rei, lança-o na
cadeia para que a dívida seja paga. Porém com o devedor preso, não seria
possível pagar, a não ser que amigos o socorressem.
Após essa atitude, o rei fica sabendo do ocorrido e se ira, pois um o
servo perdoado colocou na prisão um dos seus trabalhadores fora de atuação,
custando mais impostos perdidos. O rei havia obtido mais benefícios convencendo
seu povo de sua benevolência do que se levassem todos a leilão, porém assim que
começou a circular os rumores da atitude do seu servo perdoado, logo a imagem
do rei e sua benevolência seria manchada.
Em consequência, o rei revoga o perdão dado a seu servo e o envia a
prisão, sendo uma dívida tão alta, ele jamais seria solto. Com toda essa
parábola, Jesus nos ensina que independente da ofensa, devemos perdoar, não
podemos guardar mágoa e rancor. E assim acontece conosco, se não perdoarmos
envergonhamos o Seu nome Santo, pois devemos ser imitadores de Cristo (1 Co
11.1), por isso precisamos evidenciar o fruto do Espírito em nossas atitudes e
esse fruto deve permanecer (Jo 15.16).
Conclusão
Como então Jesus usou um número tão alto para uma pessoa que só recebia
um denário por dia? Porque na concepção do judaísmo antigo o pecado é
considerado dívida com Deus (Cf. Mt 6.12), e essa hipérbole nos ensina que
devemos perdoar como Deus em Cristo nos perdoa.
Perdoar também não significa que esquecemos o que a pessoa fez, um
exemplo prático é o perdão de Deus. Ele nos perdoa, e sabe do que fazemos
errado e o que faremos de errado, mas por ter nos perdoado não joga na cara os
nossos erros. O perdão não é esquecimento, mas semelhante a uma cicatriz, nós
sabemos a causa, mas ela não nos incomoda mais. Assim deve ser com o nosso
próximo, devemos perdoar sempre, mesmo sabendo das falhas do nosso próximo,
pois precisamos ter o mesmo sentimento que Cristo teve, mesmo ele sendo Deus,
pediu para que o Pai perdoa-se os que zombavam dele na cruz.
Isso nos deixa um ensino fundamental para a vida, se não perdoarmos,
Deus não vai perdoar nossos pecados. Entendamos que as pessoas que nos ferem
sejam com palavras ou atitudes, elas não sabem o que fazem, só tomam essas
ações porque estão feridas e amarguradas, portando perdoar é viver livre.
Deus abençoe.
Graça e paz.
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